8 de julho de 2013

Corvos - Por Salomon

Corvos - Por Salomon


   Era chegada àquela época do ano em que as afáveis aves de penas brancas, azuis e cinzas se deslocavam para aquela região a fim de perpetuar a espécie e fugir do inverno rigoroso que já chegara. Algumas dezenas cruzavam o céu quase que desesperadas rumo àquela comarca, mais especificamente em um lugar no meio das extensas terras cercadas por grandes matas nos sertões do Ceara. O nome desse lugar onde esses pássaros se deslocavam, teve seu nome baseado nas aves que ali se refugiavam, o tão falado “pombal”.

Sempre naqueles invernos rigorosos, antes do frio maior se aproximar, via-se no céu o fenômeno que muitos já conhecem bem: a migração das pombas para se proteger do inverno e se reproduzir, deslocando-se milhares de quilômetros.

    O menino de pele morena queimada pelo sol impiedoso dos sertões e aparentava ter apenas quinze ou dezesseis anos de idade, mas que na verdade era mais velho do que isso, já fizera seus dezoito anos, mas mesmo que a idade não permitisse, levava por sobre o ombro sua espingarda carregada para um único disparo. Mortal.

   De família pobre, poucas vezes havia passado fome, aprendera a caçar cedo, muito cedo, recebera a espingarda de presente do próprio pai, cassava para ter algo a mais na mesa além do feijão com arroz, mas muito mais do que uma necessidade, era um esporte. Caçar lhe proporcionava diversão. Caçar se tornara um habito. Cassar foi o que ele decidiu fazer naquela noite.

Havia acordado cedo naquele dia, faltando ainda horas para o dia amanhecer completamente. Assim teria vantagem de encontrar suas aves ainda descansando nos ninhos das copas das arvores e por sorte, até mesmo no gramado verde e macio dos pombais, pois havia os pombos que não sabiam voar e permanecia paciente nos ninhos em solo aguardando suas penas se desenvolver. (isso normalmente de acordo com minha fonte).

Caminhava por entre veredas e trilhas de mato, pensou ter se perdido no escuro, arrependera-se de não ter levado uma lanterna, confiava que a lua cheia o ajudaria a enxergar o caminho, mas não contava com umas nuvenzinhas bloquearem o brilho da lua. Por mais de uma vez pensou que estava perdido. Caminhava desvairado pelo matagal, levou quase uma hora caminhando naquela condição perturbadora até chegar a uma trilha que julgava conhecer:

“acho que é por aqui” pensava consigo mesmo.

Caminhou amedrontado por essa trilha, estava perdido e sozinho no véu escuro da noite. A espingarda lhe dava coragem de continuar caminhando, sem ela teria travado no meio do caminho depois que se perdera. Em fim.    Chegou ao final da trilha, o matagal ficara para trás, e as nuvens começavam a liberar o brilho da lua cheia. Então ele viu que finalmente depois do susto de ter se perdido, havia chegado ao “pombal”.

Logo de inicio, viu o chão repleto de pequenos ninhos, ninhos das pombas que ainda não sabiam voar, por isso faziam seus ninhos no chão, era curioso isso. Adormecidos, havia cerca de uns três ou quatro daquelas aves bem apertadinhos dentro de cada ninho, adormecidos, tremelicando com o frio. Ah sim, ele eram fofinhos, bonitinhos.

   Nas arvores, cintilavam pontos vermelhos, “pequenas frutas silvestres” assim pensava o rapaz.
Nessa hora, o rapaz precisava de toda sua experiência para aquele momento. Era a hora de “catar” os pombinhos do chão sem fazer barulho, e para isso, geralmente usava-se algo para abatê-los ainda no chão, mas o garoto tinha uma técnica. Uma técnica um pouco cruel, infalível, que exigia apenas um pouco de habilidade com a faca. Com ela, ele catava pombo por pombo ao chão, e decepava lhe a cabecinha do minúsculo corpo, descartava as cabeças, mas o resto do corpo ia para seu patuá. Era sua futura refeição ali se amontoando dentro da velha bolsa encardida de sujeira. Enquanto fazia isto, tentava ser o mais silencioso possível para que não acordassem e fugisse dali, os pequenos pombos eram retirados um por um de seus ninhos por mãos robustas, mas que tinham um toque delicado, assim, tinham suas cabecinhas decepadas antes mesmo de acordarem.  Logo os ninhos pelo chão ficaram vazios, e seu patuá ganhava volume e peso, mas ainda havia espaço. Pisando nas cabeças dos pombos pelo chão, caminhou até uma das arvores mais próximas onde avistou um ninho.

   Subiu-a com pouca dificuldade, sentou por sobre um galho pouco mais baixo, o ninho estava um pouco acima de sua cabeça. Silencio.  Novamente usou de seu toque delicado para pegar o pássaro do ninho, sentiu entre seus dedos a leveza das penas da ave. Era um pombo adulto, um pouco mais pesado do que o que esperava. Só precisava tira-lo do ninho e cortar sua cabeça, simplesmente isso, e no dia seguinte poderia comê-las assadas. Deveria ser assim.

   Com a mão cheia segurando a ave adormecida, tirou-a do ninho acima de sua cabeça, e com todo cuidado para não acorda-la, levou-a até seus olhos, e o que seus olhos viram em suas mãos o deixou estarrecido. Um susto súbito o fez apertar sem querer a ave que segurava com a mão. O pássaro de penas negras despertou, abrindo seus pequenos olhos vermelhos que cintilavam com o brilho da lua, agitou-se, batia asas e grasnava seu canto medonho:

CRUÁ, CRUÁ...

   Antes que fizesses mais barulho, teve sua cabeça cortada pelas mãos robustas, mas delicadas do menino, que assustado, atrapalhou-se e deixou o corpo da ave morta cair no chão, permaneceu segurando somente a cabeça. Estava assustado, esperava que o ninho fosse de um pombo extremamente grande, mas não era.  Aquilo era um corvo.

Desceu rapidamente da arvore, recuperado do susto, precisava voltar para casa e esquecer aquilo. Pegou a espingarda e colocou-a no ombro, era hora de ir embora, mas antes, avistou nas arvores, em todas elas, vários daqueles pontículos vermelhos. 

    Milhares Pontos vermelhos agrupados em pares? Ha não, não eram frutas, para temor do jovem, aqueles eram os olhos de milhares de outros corvos semelhantes ao que ele havia decapitado a cabeça que agora apertava em sua mão. Pequenos olhos redondos e vermelhos pareciam fita-lo furiosamente, será que eles sentiam a morte de seu semelhante?

   Medo começava a tomar conta do menino, medo descomunal, um calafrio, pernas bambeando, o corpo paralisado de receio. Havia milhares daquelas aves de penas e bico negros com os olhos vermelhos fitando-o.  Medo de que elas o atacassem. De repente um grasnar quebrou o silencio da noite deixando o menino ainda mais assustado:

CRUÁ, CRUÁ, CRUÁ...

   Estarrecido, olhou em volta, as aves ainda estavam imóveis, porém uma delas deveria estar grasnando aquele ruído maldito, mas qual? Seu coração acelerado parecia explodir no peito, tamanho o susto lhe causara aquele grasnar alto. Ainda procurava entre as arvores qual dos corvos fazia aquele barulho quando sem mais nem menos checou a própria mão, abriu-a diante dos olhos e viu a minúscula cabeça do corvo que havia decepado instantes antes, abrindo e fechando o bico negro e fitando-o com os minúsculos olhinhos vermelhos, grasnando o maldito barulho que ecoava pelo mato.

   CRUÁÁÁÁ, CRUÁÁÁ, CRUÁÁÁ!

   Com o susto, caiu para trás, tropeçando no corpo do execrado corvo.

   Sob as arvores, os outros corvos que até então se mantinham imóveis apenas observando o estranho intruso, se agitaram fazendo um alvoroço. O bater de tantas asas ao mesmo tempo fazia um barulho quase ensurdecedor, voavam e grasnavam alto. Voaram formando uma verdadeira nuvem negra no céu.

   Em pânico, o menino tentou pegar sua espingarda, mas antes que pudesse apontar para a nuvem de corvos, a nuvem avançou rapidamente contra o rapaz. Os pássaros pareciam castigando rapaz, logo com suas bicadas violentas, alguns lhe perfuravam o corpo a bicadas, outros lhe arrancavam os olhos, outros o que restava do corpo.  Pareciam feras selvagens. O menino nada mais podia fazer a não ser gritar de dor, esperando a morte que não tardaria.

   O tempo passa...

   O dia amanhece e dois roceiros compadres que usavam aquele percurso para chegar até seu lugar de plantio, se deparam com uma cena macabra. Pelo chão, havia ossos com fortes arranhões, o crânio jazia ainda com um olho e mais arranhões profundos, era um crânio humano. E nas arvores, as copas continham seus galhos turvos secos, sem folha alguma.











                                                  
                                                                †††
                                                                   


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