8 de setembro de 2013

O crime de Mond – Por Salomon

                                            
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               O crime de Mond – Por Salomon

                 (meu primeiro Conto policial)



            Subindo as escadas apressadamente, acompanhado de outro policial qualquer, Victor chegou á porta do quarto da vitima. Esta se encontrava ligeiramente aberta de forma que permitiu aos dois homens adentrarem e se dirigirem por entre os outros homens que ali estavam até o banheiro da acomodação, que era o local do crime.
            -O que aconteceu aqui?- Perguntou Victor se dirigindo a mim adentrando ainda mais o banheiro amplamente espaçoso. Logo, já estava varrendo todo o local ao redor com seus olhos de águia que tudo captava e nada deixava despercebido. Seus olhos sempre eram sublimes ofuscados atrás das lentes negras de seus óculos raibam. Notei que como sempre, ainda usava seu inseparável casaco sobre tudo negro por sobre seus ombros largos, caindo até quase em seus joelhos escondendo a arma ponto-40 no coldre que eu tinha certeza que ele levava consigo onde quer que fosse. Seu cabelo negro tinha um ou dois fiozinhos grisalhos, que por descuido vaidoso meu amigo não conseguira ver para cortar e disfarçar a velhice. Seria seus fios de cabelo branco sinal de que meu amigo estava envelhecendo e seus olhos de águia perdendo a capacidade de tudo ver? Por um breve momento receei por isso.
            Ao entrar no banheiro, Victor deparou-se com o que parecia ser uma cena de crime muito comum em nossa profissão. O banheiro estava úmido, eram ainda poucas horas da madrugada e um corpo estava sendo retirado de dentro da banheira que transbordava água. O corpo era de uma linda e jovem moça de pele morena e longos fios de cabelo negro. Tinha a pele límpida, seu corpo era esbelto e provocador. A jovem estava totalmente despida, sinal que morrera durante o banho na banheira cheia d´água. De inicio, alguém citou morte por afogamento, mas havia uma espessa espuma branca saindo por suas narinas e boca, o que não era muito comum em casos de afogamento.
            Somente quando os homens do IML sairam levando o lindo cadáver da jovem moça, voltei-me a mim mesmo para responder ao meu amigo recém-chegado:
            -Olá Victor! Chegou antes que eu pudesse analisar melhor a situação, então creio que não conseguirei dizer muito a respeito desse caso, mas o que eu sei, posso agora mesmo lhe passar. – Aqui fiz uma pequena pausa para olhar em meu bloco de notas- Aqui está! O nome da vitima é Mila. Tem vinte e sete anos e trabalhava em uma loja como atendente e caixa. Tinha um namorado, mas morava sozinha com seu gato preto de estimação.  Ao que parece ela morrera entre as dez horas da noite de ontem e uma da madrugada. –
            -Possível causa da morte?- perguntou Victor fazendo-me parar de repente. Aproximando-se mais da banheira de onde o corpo fora retirada.
            -A única hipótese viável até agora é morte por afogamento, mas precisamos do resultado da autopsia com o Dr. Lee para confirmar isso-.
            -Não foi morte por afogamento- Disse ele- Foi morte por eletrocussão. Você notou que a vitima tinha uma estranha espuma fugindo por sua boca e narinas. Já vi muito disso em casos de suicídio. Estou vendo o objeto que provocou a morte da jovem. – E disse isso apontando para um fio cuja uma das pontas estava diretamente ligada á uma tomada elétrica localizada entre o chuveiro e a banheira, enquanto a outra ponta se perdia submersa dentro da banheira.
            Victor depois de ter retirado seu relógio de pulso e o guardado em seu bolso, dobrava as mangas de seu casaco. Logo percebi sua intenção, ele ia afundar o braço na banheira a fim de retirar o aparelho cuja uma das pontas do fio estava ligada á tomada e a outra submersa na água.
            -VICTOR NÃO!-Gritei- A ÁGUA AINDA DEVE ESTAR ELETROCUTADA!-.
            Mas Victor como uma criança teimosa, e ignorando meu alerta continuou a enfiar seu braço dentro da banheira, afundando-o na água. Eu o olhava esperando vê-lo tomar um enorme choque elétrico, mas isso não aconteceu e Victor tirou seu braço da água segurando um aparelho elétrico muito comum de se barbear.
            -Eis aqui a arma do crime!- Disse ele após tirar o objeto da tomada e entregando-me em mãos pediu para que levasse ao laboratório do Dr. Lee. Victor deu outra rápida olhada ao redor do banheiro à procura de mais pistas que pudessem revelar o que acontecera ali nas horas anteriores. Notei que ele dava maior atenção a uma das paredes então me pus a observa-la também.
            Não havia ninguém mais além de nós dois ali, os outros policiais e alguns homens do corpo de bombeiros esperavam no corredor do prédio. A parede que observávamos atentamente, para mim não queria dizer muito, mas Victor a encarada como se ela fosse o próprio autor do crime. Havia nessa parede uma pia metálica bem conservada e limpa, e ao seu lado uma base que servia como suporte para objetos que a morta usava para cuidar de sua vaidade como creme para cabelo, sabonetes, escova de dente etc. Logo acima dessa base de suporte desses objetos, havia uma janelinha com aproximadamente meio metro de diâmetro quadrado. Pequena e alta demais para alguém passar por ela. Não havia nenhuma outra janela no cômodo inteiro além dessa.
Entretanto. Victor saiu do banheiro, entrando na alcova da vitima. Lá havia uma cama que se encontrava quase que totalmente revirada. Os lençóis e a colcha estavam caídos no chão enquanto os dois travesseiros e o colchão estavam desajustados fora do lugar. Meu misterioso amigo como sempre se mantinha em um silêncio perturbador que logo tratei de quebrar expondo minha visão dos fatos:
-Acho realmente que foi suicídio!-
-Muito cedo para conclusões precipitadas! – disse ele mexendo em um dos travesseiros. E Removendo-o do local sobre a cama, encontrou uma nova pista, um pequeno aparelho celular.
-Veja bem Victor a vitima morava sozinha, e isso indica isolação, o que nos leva a crer que ela tinha problemas para se relacionar com a sociedade, ou seja: Depressão. Fim de caso Victor, a vitima se matou! Ganhei essa, há ha!- Mas Victor se mantinha frio e cauteloso mexendo no aparelho celular e avaliando suas expressões faciais notei que algo o intrigava muito.
-Sejamos mais racionais meu amigo, muitas pessoas vivem isoladas, mas nem por isso são depressivas, além disso, você está deixando muitos fatores escaparem. – Aqui ele disse olhou para mim com seus olhos por cima das lentes negras de seus óculos e complementou - depois de todos esses anos ao meu lado não conseguiu aprender nada? – Mas antes que eu pudesse responder, fui subitamente impedido pela chegada de um dos homens da polícia que anunciava:
            -Senhores! Encontramos uma testemunha que disse ter visto alguém sair do quarto pouco antes da meia noite, creio que talvez seja de total interesse de vocês verem isso melhor-. Victor Voltou seu olhar para o policial e disse:
            -Mande a testemunha dormir e descansar um pouco, pois amanhã vamos interroga-la. Agora nós temos uma suspeita que devemos imediatamente investigar. - e voltando para mim, falou- Vamos! Precisamos chegar o mais rápido possível na casa do superintendente Kou.  Por um instante, sem nada entender, fitei-o de volta e perguntei:
            -Mas Victor! O que vamos fazer a essa hora da madrugada na casa de nosso superior?- E Victor tirando os óculos escuros e guardando-o no bolso do casaco respondeu-me olhando seriamente nos olhos:
            -O namorado da vitima deixou este celular aqui na cena do crime, e ele pertence ao filho de nosso chefe Júlio. Agora mais alguma pergunta?-
            Novamente o silêncio predominou no aposento e vi-me diante de mais um caso que exigia maior atenção e cuidado. O dia ainda mal começara e tão cedo de madrugada, tanto a minha quanto a capacidade intelectual de Victor eram colocados á prova a fim de chegar ao fim daquele caso. Eu como sempre estava perdido em meio as minhas próprias conclusões e poucas informações fornecidas pelas pistas até então encontradas na cena do crime, enquanto meu amigo e parceiro de investigação, Victor se mantinha frio e calculista, sempre pensativo e refletindo acima de meu nível.            
            Chegamos rápido no carro de Victor á casa do nosso superior e superintendente. Lá contamos ao lorde o que ocorrera até então e ele muito decepcionado não queria acreditar que seu filho estava envolvido com a morte da jovem moça, alegando que jamais esperaria tal desconfortável noticia sobre seu filho. Também não teve opção á não ser permitir-nos levar o jovem garoto para a delegacia onde o interrogaríamos a respeito do crime que culminara na morte de sua namorada.
            Já eram aproximadamente oito horas da manhã quando chegamos à delegacia, levando conosco o jovem rapaz de cabelo curto bem aparado e cavanhaque no queixo. Também era robusto e tinhas as feições faciais rígidas como as de seu pai. Vestia uma simples bermuda ou um short muito simples e comum entre os jovens daquela idade junto com uma camiseta regata que destacava bem seus braços fortes, resultado de muito suprimento alimentar e anos e anos de academia. Tinha o olhar apreensivo e, contudo mostrava-se aparentemente chocado, isso depois de citarmos a morte de sua namorada. De certa forma eu não sabia mais em que acreditar, pois se o jovem ali era culpado ou não da morte da jovem, então ele deveria ser um ótimo ator, pois até algumas tímidas lagrimas derramara após saber de sua morte. Mas mesmo assim, ele era um suspeito, pois como a pessoa mais próxima da vitima, tinha fortes indícios como autor da morte da jovem, e a pista que nos levara a essa conclusão era seu celular encontrado na cama da vitima. Levamo-nos direto para a sala onde fazemos o interrogatório, onde permaneceu quieto e calado até a entrada de seu pai acompanhado de Victor, enquanto eu os observava através do espelho dupla face e os ouvia pelo interfone estrategicamente posicionado na cadeira onde o suspeito estava.
            A todo o momento, Júlio o nosso suspeito dizia que era inocente e complementava dizendo que estava abalado com a morte de sua namorada. Seu pai demonstrava-se muito abatido e assustado com tudo isso. Jamais antes pensara que seu prezado filho pudesse algum dia ser suspeito de um crime.  O superintendente estava muito preocupado, pois era notável que assim como eu naquele momento, não sabia mais em que acreditar, se seu filho era ou não responsável pela morte da jovem e bela moça.
            Victor, implacável e frio como sempre o questionava fazendo perguntas como: Havia motivos que o levariam a cometer assassinato? Como namorados vocês discutiam muito?  Onde estava na noite anterior? Você pode me explicar como o seu celular foi parar na casa dela?...
            Mas Júlio chorando negava a todo o momento ser o autor do crime, e também se defendia dizendo que frequentemente a visitava como todo bom namorado faz, alegando logo em seguida que só continuaria respondendo na presença de seu advogado. Entretanto, o superintendente muito cabisbaixo e com o olhar triste sobre o filho, deixou a sala de interrogatório sem nada dizer. Fora da sala foi direto ao meu encontro e com mutua tristeza no olhar disse-me:
            -Eu não sei em que acreditar. Esse moleque nunca me deu trabalho antes, e agora ele me vem com essa na intenção de me matar do coração- e colocando a mão no peito continuou- oh deus onde foi que eu errei?-
            -Senhor! Ainda não sabemos ao certo se foi ou não morte criminal, pois há também a hipótese de suicídio ou até mesmo morte acidental. – Disse-lhe pondo a mão no ombro em uma tentativa inútil de conforta-lo.
            Logo se se juntou a nós um policial acompanhado de uma velhinha decrépita que aparentava não ter mais que setenta anos, vestindo um pesado vestido de lã e um casaco de linho para proteger-se do frio da manhã gelada, além de um cachecol envolto do pescoço.
            -Aqui está a testemunha que disse antes- Anunciou o policial que a acompanhava e dando meia volta partindo de volta para seu posto como patrulheiro. Enquanto Victor do lado de dentro da sala de interrogatórios entrevistava o suspeito, eu do lado de fora, entrevistava a testemunha do crime:
            -Conte-nos minha senhora, tudo o que sabe e que não sabemos a respeito da noite anterior- E a velha dispôs-se á narrar:
            -Sim claro! Vou então começar a partir do momento em que eu tentava dormir em minha aquecida e confortável cama de mosqueteiro, mas eu não conseguia pregar os olhos, nem mesmo depois de ter tomado minhas pílulas do sono. De fato eu não conseguia dormir e isso devido aos barulhos incessantes no quarto vizinho ao meu que pertence a jovem moça que recém partira dessa para melhor. Pois bem. Havia barulho, muito barulho entre pancadas e gritos de dor, uma barulheira infernal que não me deixava ter o merecido descanso do sono. Nunca antes houve tanto barulho vindo do quarto daquela jovem que eu julgava ser tão “quietinha”. Então, logo eu desisti de dormir e fui assistir tevê. Já se passava das dez e meia quando notei que o barulho havia cessado, e eu curiosa resolvi ver o que se sucedia ali. Foi então que abri a porta do meu cômodo e vi pela pequena fresta vi o jovem moço que ali está – Apontou para Júlio através do espelho duplo face -Sair pela porta da frente do quarto da moça, e então descer de forma sorrateira e silenciosamente a escadaria até o andar térreo onde deve ter ido para sua casa.
            Depois disso, tendo visto que a noite voltara à calmaria como de costume, voltei para a cama onde pude desfrutar de adoráveis sonhos por algumas poucas horas. Mas logo fui acordada subitamente por novos barulhos vindos do quarto vizinho, mas só que dessa vez, quando fui investigar, já eram os próprios policiais e bombeiros levando o corpo de minha adorável e barulhenta vizinha. Fiquei assustada ao vê-la daquela forma horrorosa, morta. –
            Após o relato da velha senil, eu pude ver que o superintendente escondia o rosto com as mãos para disfarçar as lágrimas que lhe fugiam, e desolado disse:
            -Não há mais duvidas! Meu filho a matou, agora sou forçado a conviver com esta vergonha em minha família. Oh Deus, novamente pergunto a ti, onde foi que eu errei?- E de cabeça baixa, retirou-se, deixando-me em companhia da velha. Em nada mais eu poderia consola-lo, pois até eu mesmo já estava quase totalmente convencido de que seu filho era um criminoso. Quanto à velha senhora, perguntei intrigado:
            -Então não foi você que chamou a policia aquela hora da madrugada?-
            -Não – Disse ela – Como eu disse, eles já estavam lá quando acordei.
            -Hum, então alguém deve ter chamado a policia, mas quem?- E ficamos ali nos entre olhando pensando nas inúmeras possibilidades, motivos e razões que possivelmente poderiam ter ligação com a morte da jovem.








                                                       †††







         Doutor Lee havia nos convocado após o interrogatório para comparecer imediatamente em seu laboratório onde o corpo da vitima fora analisado pela autopsia. Lá encontramos o corpo com o peito aberto expondo todo seu interior a nossa vista. Devo confessar que mesmo diante de brutal mutilação, seu rosto ainda era belo e encantador.
            Lee usava assim como Victor, usava seu jaleco preto, recusando o convencional de cor branca. Isso sempre me gerou duvidas, mas respeitava-os por escolher o preto em suas indumentárias. Logo se pôs a nos revelar o resultado da autopsia morta:
            -Olá amigos, chamei-os secretamente de nosso superintendente por que sei que esse caso, diferente dos outros envolve alguém próximo a nós, o filho de ninguém menos do que o homem que assina os nossos cheques, e por esse motivo, devemos dar maior atenção a esse caso e sermos precisos em nossas conclusões.
            Bom... Após minha vistoria no corpo da jovem moça acabei descobrindo o real fator de sua morte. E a vitima realmente morrera por eletrocussão da agua provocado pelo aparelho de barbear que ligado á tomada elétrica e entrando em contado com a banheira cheia de agua resultou na morte da jovem, também fazendo sua boca espumar. Mas não é só isso. Também descobri através de resíduos de sêmen em sua boca que a morta teve relações sexuais pouco antes da morte. E tem mais, vejam isto-...
           
           
            Lee foi até o balcão onde tirou um pote de vidro transparente contendo um liquido viscoso que continha em seu centro um pequeno feto de poucos centímetros de cumprimento.  
            -Ela estava gravida de Júlio!- Complementou Lee exibindo o feto dentro do pote- Também descobri resíduos de pílulas de antidepressivos. Obviamente isso indica que a morta, quando ainda viva, sofria de depressão. Isso é tudo o que seu corpo pode me revelar, mas foi o aparelho de barbear que me deu mais informações a respeito do caso que de inicio julguei antecipadamente ser suicídio ou acidental.
            Eu achava que pelo que me foi informado sobre o banheiro da vitima, o barbeador que por distração estava ligado na tomada e deveria estar sobre a base que vi nas fotos sobre a banheira, devido à potência alta de seu motor interno, vibrara tão fortemente ao ponto de ter-se movido sozinho até cair dentro da banheira. Então para ter certeza dessa conclusão, como podem ver ali, montei um cenário quase que idêntico ao banheiro, com base de suporte para o aparelho e a banheira logo abaixo. Entretanto, quando coloquei o aparelho á prova, mesmo em máxima potência, ele se manteve imóvel em seu lugar, sua posição se manteve inalterável. –
            -Isso descarta a possibilidade de morte acidental não é mesmo Doutor?- Indagou Victor cruzando os braços.
            -Eu diria que sim, mas ainda resta saber se fora suicídio ou homicídio- Disse o Doutor.
            -E o que o senhor acha Doutor?-
            -Eu nada posso afirmar a respeito disso, mas o barbeador me deu outra pista que julgo muito importante para o desfecho desse caso. –
            -E que pista é essa Doutor?- Perguntei inquieto suando frio diante de tamanha tensão. E o doutor olhando-me seriamente nos olhos disse:
            -Eu investiguei mais sobre o barbeador e acabei descobrindo que ele pertence á Júlio-.
            Aquela altura para mim, não havia mais duvidas, eu realmente já estava convencido de que Julião o filho de nosso chefe era de fato o autor da morte da jovem sua namorada. Todas as pistas e fatos apontavam para ele como principal suspeito. Também já formulara em minha mente o possível motivo para que ele cometesse tal crime.
            Ao sairmos do laboratório, Victor e eu fomos ao seu gabinete pessoal, onde pudemos avaliar e questionarmos melhor sobre o caso.
            -Então é isso- Disse-lhe inconformado- Júlio é realmente um assassino, não nos resta mais duvidas! A proposito o que ele disse no interrogatório?-
            Victor estava sentado em sua grande e confortável cadeira de couro acolchoado atrás de sua mesa de escritório teclando distraído algumas letras em seu notebook. Quando me virei para ver o que ele fazia ali, surpreendi-me ao vê-lo acessar interessadamente um site de compras online onde estava no tópico sobre rações para gatos.
            -Victor! Eu não sabia que criava gatos- Articulei.
            -Atualmente eu não crio, mas pretendo criar um. E sobre Júlio, ele apenas me disse que realmente amava sua namorada, nada, além disso. Você chegou á alguma conclusão? –
            -Ah sim, sim eu creio que cheguei ao fim desse caso, e devo dizer que estou decepcionado com você Victor, está muito distraído e não conseguiu resolver esse caso antes de mim, parece que está perdendo o jeito. Bom eu concluo que Júlio é realmente culpado, pois ele havia razões e oportunidades para cometer o crime. –
            -Razões? E quais seriam?- Indagou Victor ainda com o olhar atento ao monitor do notebook.
            -Júlio mentiu para você no interrogatório quando disse que amava a vitima, pois na noite do crime, sabendo ele que ela esperava um filho seu, sabendo que seu pai não suportaria saber que seu filho ainda muito jovem seria papai também, tratou logo de mata-la para que não tivesse esse filho, e fez isso tudo parecer com suicídio, mas ele não contava com a testemunha que me foi muito útil e valiosa nessa questão-.  Após minha explicação, Victor desabou a rir como se o que eu acabara de contar ali fosse a mais hilária das piadas já contadas.
            -Qual e a graça?- Perguntei revoltado e intrigado com o rosto vermelho sem nada entender. Victor após seu ataque de risos se recuperou e levantando-se da cadeira, foi em direção ao cabideiro onde estava seu inseparável casaco negro, retirando-o dali e pondo sobre seus largos ombros altos. Após colocar os óculos escuros disse-me:
            -Esse seu ponto de vista ridículo Sr. Salomon, é totalmente ridículo hahaha, como é Hilário! É por isso que gosto de trabalhar com você. Você é engraçado, e anima o meu dia. Hahaha...
            -Então você discorda que... - E antes que eu pudesse terminar a frase, Victor interferiu:
            -Discordo que Júlio seja um assassino, pois ele realmente amava sua namorada assim como amaria seu futuro filho se o tivesse-. Victor saiu do gabinete e se dirigia rumo á saída do prédio, indo em direção ao estacionamento onde seu Fiat negro quatro portas o aguardava. Eu o seguia ainda mais intrigado. Logo ele chegou ao carro e adentrando-o convidou-me ao banco de passageiro.
            - Então você já solucionou o caso?- Perguntei-lhe enquanto entrava no carro e colocando o cinto de segurança, sabendo que dali á poucos instantes, estaríamos em alta velocidade pelas ruas da cidade. (Era assim que Victor dirigia, como um louco).
            -Sim e não!- Respondeu ele.
            Victor ligou o carro e foi sem perder tempo pisando fundo no acelerador, conduzindo com habilidade o veiculo, desviando de outros carros e pedestres, fazendo curvas perigosas em ata velocidade que nem um piloto de corrida profissional.
            -Como assim, “Sim e não”? – Perguntei sem folego enquanto me segurava como podia dentro do carro- Explica-me, por favor-.
            -Falta ainda pegar o verdadeiro autor do crime!- Disse ele parando o carro frente a centro comercial, e quando olhei pelo vidro escuro do carro.
            -Onde estamos indo?- perguntei mais uma vez.
            -Pet Shop!- disse ele saindo do carro e entrando no estabelecimento especializado em animais.
            Em todos os anos que trabalhei ao lado de Victor, jamais consegui compreender seu modo de pensar, nem mesmo conseguia compreender certas exterioridades que ele tinha consigo. Mas mesmo assim, sempre depositei total confiança em suas habilidades extraordinárias de dedução e raciocínio. Ao seu lado, eu não deixava de me sentir o Dr. Watson nos contos policiais de Arthur Conan Doyle, acompanhando de perto o modo como Sherlock Holmes chegava ao final de seus casos policiais através de pistas e deduções precisas.
            Após alguns minutos, Victor saiu da loja carregando um enorme saco de ração, e com pouca dificuldade, carregou-o até o porta-malas, voltando em seguida para dentro do carro, logo já estávamos novamente em alta velocidade desviando de carros e pedestres, rumo ao centro da cidade onde ficava o prédio que encontramos a moça morta. Rapidamente chegamos ao local. Victor correra tanto que senti meu sangue gelar em minhas veias. Ele tinha quase tanta habilidade no volante quando como intelectual.
            Sem perder tempo, descemos do carro estacionado na porta do prédio, e Victor foi logo retirando o saco de ração do porta-malas. Minutos depois já estávamos subindo os muitos degraus do prédio até o andar da vitima. Andamos pouco pelo corredor até chegarmos á porta onde ainda estava conservada a faixa amarela com os dizeres: “Cena de crime, não ultrapasse”.
            Entramos. Era o quarto da jovem, e ainda se mantinha do mesmo jeito que o deixamos, cada objeto em seu devido lugar, nada fora revirado e nenhuma alteração fora feita.
            -Victor! Porque estamos aqui? Oque vai fazer com isso?-Perguntei-lhe apontando o saco de ração.
            Victor foi direto ao banheiro onde encontramos o corpo, e lá chegando, subiu no assento do sanitário e abriu a pequena janelinha sobre o chuveiro, que fez uma leve brisa adentrar no cômodo.  Em seguida, abriu no dente o saco de ração que levava consigo, e despejou todo o conteúdo sobre a base na parede que servia de suporte para os produtos vaidosos da antiga dona.
            -Veja e verá- Disse Victor com ar misterioso terminando de despejar toda a ração na base e tirando do casaco um aparelho de barbear elétrico, semelhante ao anterior encontrado dentro da banheira. Também o depositou sobre a base de suporte logo acima da banheira. Após isto ele se afastou, e cruzou os braços como que esperando algo acontecer ali. Eu observava a tudo atentamente da porta do banheiro, contudo, sem nada a entender.
            Tendo se passado exatos três minutos, ouvimos um miado muito distinto, inconfundível, era um gato que sentindo o cheiro daquela ração que Victor depositara ali, aproximava-se rapidamente. Logo o estranho felino de pelos negros saltou da janelinha sobre o chuveiro aterrissando graciosamente sobre a base de suporte. Nesse ato, notei que o bichano desastrosamente havia deixado o aparelho de se barbear cair dentro da banheira.
            Victor não perdeu tempo, foi logo agarrando o gato e o segurando pelo dorso, virou-se para mim exibindo o felino dizendo:
            -Eis aqui o verdadeiro autor do crime!- em seguida colocou-o no braço e começou a acaricia-lo. O gato de grandes olhos verdes começou a ronronar.
                                              



                                                    †††
            Quando a noite chegou, parecia que tudo já estava esclarecido e resolvido. A inocência de Júlio foi provada, mas seu pai mesmo pouco mais aliviado com o filho, ainda demonstrava-se muito decepcionado pelo fato de ele não ter contado sobre o filho antes. Ambos decidiram passar o resto da noite juntos a falar sobre isso.
            Enquanto isso, Victor e eu continuávamos a debater o caso juntos em seu gabinete pessoal. Muito intrigado ainda, questionei-o sobre como ele conseguiu chegar ao final de mais um caso tão sublime e de forma tão racional.
            -Ora! –Dizia ele enquanto fazia carinho no gato negro de olhos verdes sobre seu colo que ronronava agradecido pelo carinho- Tudo muito simples, e de cara eu já o resolvera. Devo revelar aqui meu amigo as verdadeiras pistas que mereciam maior atenção, e uma delas que você deixou passar despercebido, foi exatamente o gato preto. Lembra quando citou que a morta morava sozinha, mas tinha como companhia um gato? E viu também como o apartamento da jovem era fechado e abafado? Agora você deveria saber que essas criaturas em geral gostam de liberdade, de ar livre. Então só havia uma forma para esse felino transitar de dentro do cômodo para fora, e vice versa, que era exatamente através da janelinha do banheiro. Assim o gato transitava sempre a hora que quisesse. Primeiro saltando sobre a base de suporte de produtos, e depois direto para a janelinha que lhe dava acesso aos telhados vizinhos. O problema de fato foi o descuido de a moça ter deixado à máquina ligada na hora em que tomava banho na banheira. O gato não teve culpa se o objeto estava em seu caminho para a liberdade. Contudo devo dizer que isso foi um trágico acidente que poderia ter sido facilmente evitado.
            -Tá, mas... Por que Júlio não quis falar nada no interrogatório?- Indaguei.
            -Ora, mas ele falou. Disse-me que amava a jovem moça e que nunca a mataria. Também me revelou que sabia que a mesma estava gravida dele, e que pretendia ter esse filho com a moça. Mas não o podia revelar na frente de seu pai, pois sabia que ele ficaria muito bravo e decepcionado. Assim após a saída de seu pai da sala de interrogatório, ele abriu o jogo comigo. De fato ele era inocente, aliás, um bom rapaz, foi ele que emprestou o aparelho para a namorada, não queira saber por quê. Agora o celular deixado na cena do crime foi mera distração do jovem.
            -Hum... Isso faz sentido, mas e a testemunha? Ela disse ter ouvido gritos de dor e pancadaria no quarto na noite o crime e depois viu o garoto sair sorrateiramente do prédio. - Após estas minhas palavras, Victor novamente desabou a rir por longos segundos. Algum tempo depois recuperou o folego e disse:
           
-Gemidos! E não gritos, o que você acha que dois jovens apaixonados estariam fazendo sozinhos em um quarto à noite, que deixaria na manhã seguinte os lençóis o colchão e os travesseiros espatifados sobre a cama? Hahaha você me mata de rir Salomon, essa velha não é testemunha nem pode ser considerada importante no caso. Também acredito que ela não gostava tanto assim de sua vizinha, e sabia que o casal estava praticando orgia. -
            -Nossa! Então, pelo menos ela morreu satisfeita hahaha- Disse por fim rindo de mim mesmo. – Mas Victor! Ainda há algo me intrigando bastante!-
            -E o que seria?-
            -É a policia! Como eles conseguiram chega lá tão rápido se não foi à velha que os chamou? Alguém deve ter chamado!-
            Victor ainda acariciando o felino em seu o colo, fitou-me com os olhos por sobre as lentes negras de seus óculos com o ar sério e frio de costume dizendo:
            -Boa pergunta meu amigo! No entanto a resposta é bem simples. Foram os próprios bombeiros que chamaram a policia. O prédio possui em suas instalações elétricas um mecanismo ligado direto com o corpo de bombeiros, que indica que no prédio em certo andar ocorreu um curto circuito que poderia resultar em um desastroso incêndio. Esse mecanismo só existe nos prédios construídos mais recentemente e ajudou a evitar muitos incêndios por aí. Foi através desse mecanismo que eles souberam que no quarto da vitima ocorrera um curto circuito quando o aparelho ligado á tomada entrou em contato com a agua da banheira, culminando na morte da jovem moça. Quando eles chegaram aqui, e se depararam com a jovem moça morta na banheira, rapidamente chamaram a policia. -
            Ao final dessa explicação dada por Victor, eu não tinha mais duvidas. O caso da morta na banheira se encerrava ali e o fim do expediente estava já havia acabado. Era chegada a hora de voltar para minha casa. Enquanto me agasalhava com um simples casaco de couro, observava Victor acariciando o felino.
            -Antes de ir, tenho só mais uma duvida!- Disse. - Oque vai fazer com o autor do crime? –
            -Vou adota-lo como minha mascote! Ainda não tem nome, sugere algum? –. Após um breve momento em silencio, respondi:
            -“Mond”!-
            -Mond?-
            -É, fica com pronuncia “munth” que significa luar em alemão-. Victor pôs-se a rir de mim mais uma vez, mas logo cessou a gargalhada e pronunciou:
      -Que porra de nome é esse? Hahaha, mas tudo bem! Ele se chamará Mond!- Disse isso voltando a olhar para o gato sobre suas pernas, acariciando seu pelo com a mão, enquanto eu voltava para casa a fim de descansar e aguardar o proximo caso.
                                                    


                                             FIM






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