18 de novembro de 2012

O Vestido Vermelho - por Salomon


O VESTIDO VERMELHO – POR SALOMON

(baseado na obra de Edgar Allan Poe: O Retrato Oval)

   O amor não pode ser descrito em palavras, e nem retratado em quadros, pinturas poemas, nada descreve o amor, somente vivenciando-o é possível compreende-lo...
  Eu tinha apenas 26 anos e era um simples e apaixonado artista.  Artista não por minhas pinturas extravagantes, delicadas e perfeitas, mas por ser o único que dedicava tantas obras pitorescas a sua amada com tantas dedicatórias e inspirações, sim eu era esse romântico, e minha amada fonte de inspiração era a belíssima senhorita Anne Winnek, para mim simplesmente a mais bela e perfeita mulher que já existiu.
Nossa história de amor começou em um baile...
   Foi o meu melhor amigo Marcus que me apresentou casualmente, a lindíssima senhorita       Anne, que dançava solitária em um canto isolado usando um belíssimo e majestoso vestido vermelho. Eu nervoso como sempre, só falava balbuciando, mas fiquei confortado e seguro quando ela mencionou que admirava minhas pinturas artísticas, e que eu era simplesmente um artista perfeito para ela, aquilo me deu uma sensação de prestígio, pois ouvir aquilo da pessoa que eu mais amava platonicamente era algo delirante.
   O pedido de namoro foi um ato consequente meio que um tanto irracional e direto, já que eu a amava desde muito tempo, e só agora havia encontrado coragem para uma aproximação como esta.
   Ela aceitou e correspondeu ao meu pedido de namoro, nosso primeiro beijo foi magnífico, apesar da minha desenvoltura, pois era o meu primeiro beijo, a mulher da minha vida estava comigo, nos amávamos, nos correspondíamos, nos apreciávamos. Estar com a senhorita Anne era simplesmente “magico”. Durante o meu namoro com ela, eu conseguia coragem e inspiração para criar as mais belas obras, pinturas paisagísticas perfeitas e delicadas, ricas em detalhes, dentre minhas obras dedicadas a minha adorada e amada Anne, estavam vários quadros, com paisagens de lagos, uma tela retratando o pôr do sol, luas cheias, roseiras bem vivas, e uma de minhas mais belas pinturas até agora, um quadro que retratei fielmente minha amada Senhorita Anne, com seu vestido longo e vermelho, o mesmo vestido que usava no dia em que nos beijamos seu rosto rosado e delicado, seus olhos azuis e reluzentes destacaram bem seu olhar alegre, a forma com que usei as cores e os traços delicadíssimos, dava perfeição divina fiel a minha obra prima, quando ela viu seu quadro pintado tão fantasticamente perfeito, me beijou em agradecimento, novamente repetindo que eu era o artista da vida dela, eu humildemente apenas disse que: “o fruto de minha inspiração era mais ainda tão belo quanto à obra em si”.
    Não nego que eu estava magnetizado pela beleza de Anne, meu amor jovem, infantil, inocente e confiante, parecia inabalável, mas eu não contava com algo insignificante e devastador, atormentador causador de dores emocionais e angústias, uma maldita desilusão.Vou tentar simplificar os fatos para melhor compreensão de meus leitores.
   Foi na ultima noite de Outono daquele ano, minha amada Anne morava com os pais, em um bairro nobre da cidade, e eu há muitos quarteirões dali, trabalhava a noite e por isso raramente chamava minha amada Anne para um jantar romântico, somente de dia desde o amanhecer até o finalzinho das tardes eu podia vê-la, e quando nos encontrávamos, passeávamos por parques, jardins e ruas tranquilas.

   Certa ocasião, pela primeira vez, eu a levei para conhecer minha casa, ela se admirou com minha galeria pessoal de arte, quadros em todas as paredes, tinta esparramada no chão, as pinturas no teto que eu mesmo havia produzido, mas algo havia chamado a atenção de minha amada, ela se dirigiu para uma porta que estava entreaberta e adentrou-a tomada de curiosidade, e ficou maravilhada ao contemplar uma de minhas maiores façanhas não concluída na época.

   Era simplesmente uma tela de seis metros de altura por cinco de largura, presa na parede, ela continha apenas rabiscos e cores formando a silhueta de uma figura feminina trajando um enorme vestido, ela percebeu que era uma reprodução do outro quadro que eu havia dedicado a ela só que em uma versão bem maior, a obra estava quase concluída exceto pelo enorme vestido que faltava pintar de vermelho, bastava isto para concluir a obra, mas infelizmente toda minha tinta vermelha havia se esgotado, e minha situação financeira precária não permitia comprar mais tinta naquele período, eu esperava concluir a obra mais adiante, quando conseguisse comprar mais tinta vermelha.  Expliquei isto a ela, e maravilhada com minha ideia, abraçou-me afetuosamente, pensei que havia conquistado seu amor, uma maldita ilusão. Após isto a acompanhei até sua casa, fui recompensado com mais beijos e abraços apaixonados, voltei para casa, estava extasiado, mergulhado profundamente naquela paixão louca e demente.
   Pobre de mim, mal sabia a grande decepção que me aguardava...
   Foi na semana seguinte que aconteceu o episódio mais lamentável de minha vida, eu havia vendido quadros, com minhas pinturas obtive um bom lucro, poderia comprar a tinta vermelha para concluir minha obra prima, mas meu amor por Anne era mais “atrevido”, optei então no lugar da tão precisa tinta vermelha, comprar uma aliança para Anne, estava decidido a pedir sua mão em casamento, acabei que me endividando um pouco mais para conseguir a aliança, tudo pelo meu amor ilusório e cego por Anne.
   Naquela sexta feira, haveria um feriado, meu chefe me liberou do fardo do trabalho, eu teria a noite de folga inteira para dividir com Anne, defini que faria uma surpresa a ela, visitando-a em casa e pedindo-a em casamento na frente de seus pais, já que estes tão bem me recebiam e respeitavam em sua casa.
   Em casa, pus-me a vestir minhas melhores vestes, meu melhor par de sapatos, o perfume mais aromático, e por fim coloquei a aliança em meu bolso, me dirigi caminhando por alguns quarteirões, rumo à casa de Anne, pelo caminho, ensaiava como faria essa proeza tão delicada de pedi-la em noivado, após alguns minutos cheguei à porta de sua casa.
   A casa composta por dois andares, uma casa nobre como mencionei antes, a família de Anne era zelosa com a casa. A Porta estava entre aberta, adentrei-a sem fazer barulho, esperando encontrar Anne e seus pais na cozinha degustando um jantar em família, mas não, na cozinha não havia ninguém, verifiquei a sala, parecia que não havia nenhuma pessoa em casa.
   Tratei de subir as escadas, estas levaram até um corredor onde com os quartos, me senti lisonjeado ao ver nas paredes daquele corredor, alguns quadros meus que havia presenteado Anne, eles estavam depositados em molduras de madeira entalhada, aquilo e fez brotar em meu rosto um sorriso indescritível, a sensação de que saber sua obra é reconhecida e preservada, faz qualquer artista se sentir exaltado.
  Ainda caminhando pelo corredor da casa, chamava por Anne com a voz em tonalidade mínima, pois pensava que seus pais já poderiam estar dormindo, por fim, passei pelo quarto dos pais de Anne, a porta estava aberta, coloquei minha cabeça no interior do cômodo, nenhum sinal dos pais de Anne, algo que levantou uma suspeita, mas ignorei aquilo, continuei caminhando a passos leves pelo corredor até chegar ao quarto de Anne.
   No quarto dela não havia porta, as luzes estavam acesas, e havia um barulho incomum no quarto, me aproximei mais, e fiquei imóvel ouvindo ao barulho, permaneci assim até ficar aturdido ao perceber aquelas vozearias eram gemidos intensos de gozo e deleite. Reconheci fácil a inconfundível voz de Anne, mas havia mais alguém no quarto, fazendo volúpia, altas obscenidades com a mulher da minha vida. Fiquei atormentado, mas um tanto curioso, e acabei fazendo como no quarto anterior, pus minha cabeça cuidadosamente no quarto para observar e entender o que acontecia ali, e o que meus olhos viram acabou que me causando algo que é indescritível, algo que havia me matado por dentro e me dilacerava a alma.
   Meu caro leitor deve se lembrar de Marcus que mencionei como meu melhor amigo no inicio desta narração, pois bem, então, foi este mesmo individuo que meus olhos haviam encontrado na cama de Anne, por cima dela, cobertos pelo edredom, estavam com as cabeças expostas se beijando, e fazendo obscenidades corporais, sexo.
   Logo, retirei minha cabeça do quarto, me encolhi inconformado no chão do corredor, peguei a aliança do meu bolso, e a arremessei pela janela aberta que havia ali, meu estado naquele momento se resumia a decepção, tristeza e amargura, me sentia humilhado, sentia aflição, uma tristeza malvada, desgosto e ao mesmo tempo ódio. Tanto amor e dedicação a uma pessoa para acabar em uma decepção humilhante como esta. Tantos quadros artísticos e poemas dedicados a ela por uma ilusão amorosa. Mas tudo isto para que no dia em que a pediria em noivado, testemunhasse aquela coisa que um dia chamei de melhor amigo, me apunhalar pelas costas daquela forma. Logo me lembrei da tela gigante que era o retrato de   Anne que faltava concluir, e tratei de elaborar meu plano de vingança contra aqueles dois pérfidos malditos.
   Desci silenciosamente as escadas e voltei à cozinha, tratei de pegar a faca de mesa em uma das gavetas do armário, junto peguei um recipiente de metal que continha uma alça, semelhante a um balde, com as mesmas proporções só que com capacidade para mais de litros. Tratei de subir com esses dois objetos de volta ao corredor no andar de cima até a porta do quarto onde aconteciam as obscenidades dos dois, era uma tortura cruel ver aquilo diante dos meus olhos, afinal eu a amava, tratei de caminhar até o lado da cama até ficar bem próximos dos dois, sem estes notarem minha presença, e com habilidade e força em um movimento muito bem calculado, eu desferi um golpe ligeiro com a faca direto no pescoço de   Marcus que sem forma de revidar ao golpe, levou as mãos até o pescoço, tentando tapar com as mãos o corte profundo e mortal que lhe causei, começou a sangrar desvairadamente sobre a cama, seu sangue jorrava a metros. Anne ao ver o oque acontecia soltou a vós em um grito agudo que doeu até meus tímpanos, mas rapidamente, calei-lhe com outro golpe de faca direto no pescoço, e agora seus gemidos que antes eram de prazer e gozo, agora era de agonia e sofrimento.
   Vendo os dois ali morrendo sangrando até a morte, ainda não me satisfazia totalmente a vingança, faltava algo ainda. Tratei então de aparar o sangue que jorrava de Marcus com balde até a metade, depois tratei de aparar o sangue de Anne minha amada, até o recipiente transbordar o liquido avermelhado e viscoso.
   Em seguida com o balde em mãos, deixei o local, Anne e Marcus já estavam mortos, mas faltava concluir algo, caminhei tranquilo levando o recipiente com o sangue pelas ruas da cidade até chegar a minha habitação, abri a porta e fui direto ao quarto onde estava minha obra prima não concluída, aproximei-me da parede que apresentava minha tela gigante, vislumbrei os traços, as cores já existentes na obra e por fim a parte que precisava ser preenchida e concluída que era o vestido vermelho de Anne. Estava em branco toda a reprodução do vestido, tratei logo de mergulhar um pincel no balde de sangue, e passeá-lo sobre a tela, preenchendo de vermelho denso, a minha obra de arte. Aquela tela com aquele retrato com aquelas cores refletiria o amor, a ilusão e traição, para sempre.

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