O VESTIDO VERMELHO – POR SALOMON
(baseado na obra de Edgar Allan Poe: O Retrato Oval)
O amor não pode ser descrito em palavras, e nem retratado em
quadros, pinturas poemas, nada descreve o amor, somente vivenciando-o é
possível compreende-lo...
Eu tinha apenas 26 anos e era um simples e apaixonado
artista. Artista não por minhas pinturas
extravagantes, delicadas e perfeitas, mas por ser o único que dedicava tantas
obras pitorescas a sua amada com tantas dedicatórias e inspirações, sim eu era
esse romântico, e minha amada fonte de inspiração era a belíssima senhorita
Anne Winnek, para mim simplesmente a mais bela e perfeita mulher que já
existiu.
Nossa história de amor começou em um baile...
Foi o meu melhor amigo Marcus que me apresentou casualmente,
a lindíssima senhorita Anne, que dançava solitária em um canto isolado usando
um belíssimo e majestoso vestido vermelho. Eu nervoso como sempre, só falava
balbuciando, mas fiquei confortado e seguro quando ela mencionou que admirava
minhas pinturas artísticas, e que eu era simplesmente um artista perfeito para
ela, aquilo me deu uma sensação de prestígio, pois ouvir aquilo da pessoa que
eu mais amava platonicamente era algo delirante.
O pedido de namoro foi um ato consequente meio que um tanto
irracional e direto, já que eu a amava desde muito tempo, e só agora havia
encontrado coragem para uma aproximação como esta.
Ela aceitou e correspondeu ao meu pedido de namoro, nosso
primeiro beijo foi magnífico, apesar da minha desenvoltura, pois era o meu
primeiro beijo, a mulher da minha vida estava comigo, nos amávamos, nos
correspondíamos, nos apreciávamos. Estar
com a senhorita Anne era simplesmente “magico”. Durante o meu namoro com ela,
eu conseguia coragem e inspiração para criar as mais belas obras, pinturas
paisagísticas perfeitas e delicadas, ricas em detalhes, dentre minhas obras
dedicadas a minha adorada e amada Anne, estavam vários quadros, com paisagens
de lagos, uma tela retratando o pôr do sol, luas cheias, roseiras bem vivas, e
uma de minhas mais belas pinturas até agora, um quadro que retratei fielmente
minha amada Senhorita Anne, com seu vestido longo e vermelho, o mesmo vestido
que usava no dia em que nos beijamos seu rosto rosado e delicado, seus olhos
azuis e reluzentes destacaram bem seu olhar alegre, a forma com que usei as
cores e os traços delicadíssimos, dava perfeição divina fiel a minha obra
prima, quando ela viu seu quadro pintado tão fantasticamente perfeito, me
beijou em agradecimento, novamente repetindo que eu era o artista da vida dela,
eu humildemente apenas disse que: “o fruto de minha inspiração era mais ainda
tão belo quanto à obra em si”.
Não nego que eu estava magnetizado
pela beleza de Anne, meu amor jovem, infantil, inocente e confiante, parecia
inabalável, mas eu não contava com algo insignificante e devastador,
atormentador causador de dores emocionais e angústias, uma maldita desilusão.Vou
tentar simplificar os fatos para melhor compreensão de meus leitores.
Foi na ultima noite de Outono daquele ano,
minha amada Anne morava com os pais, em um bairro nobre da cidade, e eu há
muitos quarteirões dali, trabalhava a noite e por isso raramente chamava minha
amada Anne para um jantar romântico, somente de dia desde o amanhecer até o
finalzinho das tardes eu podia vê-la, e quando nos encontrávamos, passeávamos
por parques, jardins e ruas tranquilas.
Certa ocasião, pela primeira vez, eu
a levei para conhecer minha casa, ela se admirou com minha galeria pessoal de
arte, quadros em todas as paredes, tinta esparramada no chão, as pinturas no
teto que eu mesmo havia produzido, mas algo havia chamado a atenção de minha
amada, ela se dirigiu para uma porta que estava entreaberta e adentrou-a tomada
de curiosidade, e ficou maravilhada ao contemplar uma de minhas maiores
façanhas não concluída na época.
Era simplesmente uma tela de seis
metros de altura por cinco de largura, presa na parede, ela continha apenas
rabiscos e cores formando a silhueta de uma figura feminina trajando um enorme
vestido, ela percebeu que era uma reprodução do outro quadro que eu havia
dedicado a ela só que em uma versão bem maior, a obra estava quase concluída
exceto pelo enorme vestido que faltava pintar de vermelho, bastava isto para
concluir a obra, mas infelizmente toda minha tinta vermelha havia se esgotado,
e minha situação financeira precária não permitia comprar mais tinta naquele
período, eu esperava concluir a obra mais adiante, quando conseguisse comprar
mais tinta vermelha. Expliquei isto a
ela, e maravilhada com minha ideia, abraçou-me afetuosamente, pensei que havia
conquistado seu amor, uma maldita ilusão. Após isto a acompanhei até sua casa,
fui recompensado com mais beijos e abraços apaixonados, voltei para casa,
estava extasiado, mergulhado profundamente naquela paixão louca e demente.
Pobre de mim, mal sabia a grande
decepção que me aguardava...
Foi na semana seguinte que aconteceu
o episódio mais lamentável de minha vida, eu havia vendido quadros, com minhas
pinturas obtive um bom lucro, poderia comprar a tinta vermelha para concluir
minha obra prima, mas meu amor por Anne era mais “atrevido”, optei então no
lugar da tão precisa tinta vermelha, comprar uma aliança para Anne, estava
decidido a pedir sua mão em casamento, acabei que me endividando um pouco mais
para conseguir a aliança, tudo pelo meu amor ilusório e cego por Anne.
Naquela sexta feira, haveria um
feriado, meu chefe me liberou do fardo do trabalho, eu teria a noite de folga
inteira para dividir com Anne, defini que faria uma surpresa a ela, visitando-a
em casa e pedindo-a em casamento na frente de seus pais, já que estes tão bem
me recebiam e respeitavam em sua casa.
Em casa, pus-me a vestir minhas
melhores vestes, meu melhor par de sapatos, o perfume mais aromático, e por fim
coloquei a aliança em meu bolso, me dirigi caminhando por alguns quarteirões,
rumo à casa de Anne, pelo caminho, ensaiava como faria essa proeza tão delicada
de pedi-la em noivado, após alguns minutos cheguei à porta de sua casa.
A casa composta por dois andares,
uma casa nobre como mencionei antes, a família de Anne era zelosa com a casa. A
Porta estava entre aberta, adentrei-a sem fazer barulho, esperando encontrar
Anne e seus pais na cozinha degustando um jantar em família, mas não, na
cozinha não havia ninguém, verifiquei a sala, parecia que não havia nenhuma
pessoa em casa.
Tratei de subir as escadas, estas
levaram até um corredor onde com os quartos, me senti lisonjeado ao ver nas
paredes daquele corredor, alguns quadros meus que havia presenteado Anne, eles
estavam depositados em molduras de madeira entalhada, aquilo e fez brotar em
meu rosto um sorriso indescritível, a sensação de que saber sua obra é
reconhecida e preservada, faz qualquer artista se sentir exaltado.
Ainda caminhando pelo corredor da casa, chamava por Anne com a voz em
tonalidade mínima, pois pensava que seus pais já poderiam estar dormindo, por
fim, passei pelo quarto dos pais de Anne, a porta estava aberta, coloquei minha
cabeça no interior do cômodo, nenhum sinal dos pais de Anne, algo que levantou
uma suspeita, mas ignorei aquilo, continuei caminhando a passos leves pelo
corredor até chegar ao quarto de Anne.
No quarto dela não havia porta, as
luzes estavam acesas, e havia um barulho incomum no quarto, me aproximei mais,
e fiquei imóvel ouvindo ao barulho, permaneci assim até ficar aturdido ao
perceber aquelas vozearias eram gemidos intensos de gozo e deleite. Reconheci
fácil a inconfundível voz de Anne, mas havia mais alguém no quarto, fazendo volúpia,
altas obscenidades com a mulher da minha vida. Fiquei atormentado, mas um tanto
curioso, e acabei fazendo como no quarto anterior, pus minha cabeça
cuidadosamente no quarto para observar e entender o que acontecia ali, e o que
meus olhos viram acabou que me causando algo que é indescritível, algo que
havia me matado por dentro e me dilacerava a alma.
Meu caro leitor deve se lembrar de
Marcus que mencionei como meu melhor amigo no inicio desta narração, pois bem,
então, foi este mesmo individuo que meus olhos haviam encontrado na cama de
Anne, por cima dela, cobertos pelo edredom, estavam com as cabeças expostas se
beijando, e fazendo obscenidades corporais, sexo.
Logo, retirei minha cabeça do
quarto, me encolhi inconformado no chão do corredor, peguei a aliança do meu
bolso, e a arremessei pela janela aberta que havia ali, meu estado naquele
momento se resumia a decepção, tristeza e amargura, me sentia humilhado, sentia
aflição, uma tristeza malvada, desgosto e ao mesmo tempo ódio. Tanto amor e
dedicação a uma pessoa para acabar em uma decepção humilhante como esta. Tantos
quadros artísticos e poemas dedicados a ela por uma ilusão amorosa. Mas tudo
isto para que no dia em que a pediria em noivado, testemunhasse aquela coisa
que um dia chamei de melhor amigo, me apunhalar pelas costas daquela forma.
Logo me lembrei da tela gigante que era o retrato de Anne que faltava concluir,
e tratei de elaborar meu plano de vingança contra aqueles dois pérfidos
malditos.
Desci silenciosamente as escadas e
voltei à cozinha, tratei de pegar a faca de mesa em uma das gavetas do armário,
junto peguei um recipiente de metal que continha uma alça, semelhante a um
balde, com as mesmas proporções só que com capacidade para mais de litros. Tratei
de subir com esses dois objetos de volta ao corredor no andar de cima até a
porta do quarto onde aconteciam as obscenidades dos dois, era uma tortura cruel
ver aquilo diante dos meus olhos, afinal eu a amava, tratei de caminhar até o
lado da cama até ficar bem próximos dos dois, sem estes notarem minha presença,
e com habilidade e força em um movimento muito bem calculado, eu desferi um
golpe ligeiro com a faca direto no pescoço de Marcus que sem forma de revidar
ao golpe, levou as mãos até o pescoço, tentando tapar com as mãos o corte
profundo e mortal que lhe causei, começou a sangrar desvairadamente sobre a
cama, seu sangue jorrava a metros. Anne ao ver o oque acontecia soltou a vós em
um grito agudo que doeu até meus tímpanos, mas rapidamente, calei-lhe com outro
golpe de faca direto no pescoço, e agora seus gemidos que antes eram de prazer
e gozo, agora era de agonia e sofrimento.
Vendo os dois ali morrendo
sangrando até a morte, ainda não me satisfazia totalmente a vingança, faltava
algo ainda. Tratei então de aparar o sangue que jorrava de Marcus com balde até
a metade, depois tratei de aparar o sangue de Anne minha amada, até o
recipiente transbordar o liquido avermelhado e viscoso.
Em seguida com o balde em mãos,
deixei o local, Anne e Marcus já estavam mortos, mas faltava concluir algo,
caminhei tranquilo levando o recipiente com o sangue pelas ruas da cidade até
chegar a minha habitação, abri a porta e fui direto ao quarto onde estava minha
obra prima não concluída, aproximei-me da parede que apresentava minha tela
gigante, vislumbrei os traços, as cores já existentes na obra e por fim a parte
que precisava ser preenchida e concluída que era o vestido vermelho de Anne. Estava
em branco toda a reprodução do vestido, tratei logo de mergulhar um pincel no
balde de sangue, e passeá-lo sobre a tela, preenchendo de vermelho denso, a
minha obra de arte. Aquela tela com aquele retrato com aquelas cores refletiria
o amor, a ilusão e traição, para sempre.
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