6 de janeiro de 2013

Depoimento de Canny – por Salomon


Depoimento de Canny – por Salomon


   Meu nome é Adam, mas vocês me conhecem hoje simplesmente como Canny, talvez por que esse nome lembra um pouco a raça dessa criatura pela qual eu tenho o poder de tomar forma, só que muito diferente dos outros de minha espécie.
   Quando estou em minha forma amaldiçoada, eu ganho até cinco vezes mais o tamanho e a força de um deles, e diferente dos lobisomens convencionais, eu tomo a forma completa de um lobo comum de pelugem branca, além de conseguir manter a minha mente inalterável, assim podendo raciocinar como humano independentemente dos instintos de animal carnívoro irracional que havia dentro de mim.
   Sim eu posso me transformar em um lobo de pelos brancos e com até cinco vezes seu tamanho e força de um lobo comum, isso devido a maldição que foi talhada em alma, e que lá habitaria até o ultimo dia de minha vida.
   Há muitos anos atrás, ainda em minha infância, eu costumava ficar brincando com Keibow meu cãozinho de estimação, o mais fiel e único amigo que eu tive até então, meu cão estimação, costumávamos brincar correndo nos divertindo pelas terras do nobre rico.
   Eu era filho de camponeses pobres, meus pais eram servos do nobre rico, morávamos em uma pequena casinha em suas terras onde cuidávamos, tratávamos, plantávamos e como recompensa poderíamos morar em suas propriedades e ficar com metade do que o nosso trabalho árduo rendia, trabalhávamos como escravos. Essa a forma encontrada por meu pai para a nossa sobrevivência.
   Eram extensas as terras do nobre, sua propriedade se estendia desde sua mansão até onde a vista alcançasse, para meu pai minha mãe e eu era um sufoco, um fardo pesado e rotineiro trabalhar tanto naquelas terras, todos os dias com exceção dos domingos que podíamos descansar o dia inteiro devido as tradições religiosas da região.
   Em um desses domingos, lembro-me como se fosse ontem que Keibow latia bravamente contra o horizonte contra algo longe das terras do nobre rico, enquanto eu apenas apreciava o momento na presença de meu amigo Keibow, o calor daquele finalzinho de tarde, o sol se pondo, queimando minha pele vermelhada, o vento soprando em minha face, sentindo o perfume daquela vegetação que nos cercava comtemplando a visão de ver aquele fruto de meses e meses de trabalho árduo, aquilo simplesmente me satisfazia.
   Enquanto eu desfrutava daquelas sensações simples e prazerosas daquele domingo, Keibow continuava latindo contra algo no horizonte, aquela altura o sol já havia se posto totalmente e a noite se aproximava mais e mais, a lua começava a subir alto expondo sua beleza, e então Keibow que até então se mantinha ao meu lado, correu em disparada rumo ao horizonte onde ele devia ter visto algum pássaro ou algo semelhante pousar nas terras, eu como não tinha nada mais interessante para o meu entretenimento daquele domingo chato, corri atrás de Keibow, este já se encontrava tão distante e ainda correndo, que só depois de sete minutos correndo naquela direção ele havia cessado com a correria e com os latidos então eu o alcancei, ele estava parado frente a uma floresta densa com arvores altíssima e galhos poucos folheados, naquele momento lembrei-me de todas as historias sobre criaturas medonhas e fantásticas que meus pais haviam mencionado que moravam naquela floresta.
   Eu nunca acreditei em histórias de lobisomens, mas depois daquele episodio macabro de minha vida, eu repensava sobre meus temores.
   O que eu percebi foi que Keibow já não latia corajosamente contra algo que ele havia percebido naquela floresta, agora ele simplesmente soltava no ar, sons tristes de um choro melancólico canino, então me pus ao seu lado e o abracei tentando entender o que havia deixado meu pobre amigo daquele jeito, tentei conforta-lo, reanima-lo, pois eu amava aquele individuo como um irmão, em fim.
   O sol já havia desaparecido completamente e a noite já havia caído, aquela altura a lua cheia já exibia toda sua majestosa beleza no céu, então uma rajada de vento estranha e misteriosa fez com que todas aquelas arvores dançarem e estremecerem desesperadamente, meu coração acelerou muito rápido, abracei ainda mais forte o pobre Keibow que já teria fugido se eu não o apertasse tanto em meus braços.
   Acho que por sorte meu pai havia notado a minha ausência em nossa pequena casinha, ele sempre me dizia para ficar longe daquela floresta,  e devido aquela rajada de vento que lhe chamou a atenção ele deve ter deduzido certeiramente que era lá que eu estava.
   A lua brilhava alto exposta no céu e a noite já havia caído totalmente e então eu ouvi, o som de dezenas de corvos surgindo da floresta e voarem por cima de mim, fazendo aquele barulho característico que só aqueles pássaros negros conseguem reproduzir. O susto foi tão grande que eu literalmente gelei ali no local, o medo e o susto haviam me paralisado, parecia que o sangue em minhas veias havia parado de correr com tanto medo, e eu não conseguia criar coragem para me movimentar.
   Keibow assustado se debatia em meus braços querendo fugir, pressentindo o perigo que se aproximava, enquanto eu o aprisionava meus braços congelados pelo medo, então houve um curto momento de silencio que predominou por menos de segundos, foi aí que eu ouvi aquele som que todos daquela região temiam, o som estremeceu por todo o lugar, o som que toda criatura da terra temia, que penetrava na alma e amedrontava todos que conheciam a sua origem, era o uivo estridente de um lobo, ou melhor, um lobisomem carnívoro sedento por carne.
   Fiquei ainda mais apavorado, meus cabelos se arrepiaram de medo, e Keibow havia conseguido se libertar de meus braços fugindo m direção a nossa casa, fugindo da criatura que  se aproximava pela floresta, a mesma coisa que havia assustado aqueles corvos, que uivava para a lua cheia e se aproximava de mim.
   Em um momento eu ouvi a voz de meu pai me mandando correr dali, foi exatamente o que eu fiz , seguindo o mesmo caminho que Keibow havia feito para fugir, enquanto meu pai armado com sua carabina alemã corria em minha direção, e então ele olha para mim com aquela expressão de horror desespero cravada em seu rosto, de repente ele gritou para mim:
   - “corre!!!”
Houve uma pausa para pegar folego e novamente ele gritou:
   -cuidado!!!-
   Foi então que enquanto eu corria ligeira e apressadamente dei uma leve olhada para trás sem diminuir a minha velocidade, e pude notar que enquanto eu corria desesperado, que uma criatura com dentes enormes e uma pelugem cinza e olhos cintilantes amarelados me seguia quase me alcançando, por diferença de menos de vinte metros, era um lobisomem magro sedento de fome perseguindo-me ferozmente louco para me devorar.
   Eu pressentia que seria pego, meu pai também havia percebido que eu seria alcançado sem chance de escapar, a criatura corria muito mais rápido que eu, e então eu ouvi o estrondo do disparo da arma de meu pai, senti o projétil voar a centímetros de meu ouvido e se encontrar com a criatura atrás de mim, só ouvi o barulho de algo atrás de eu cair pesadamente no chão.
   Por um momento senti que aquele disparo havia sido a minha salvação, com o susto do tiro e também com a sensação de alivio, me soltei ao chão exausto e sem folego, recuperando o oxigênio que faltava em meus pulmões.
   E então nesse curto momento de paz, a criatura caída voltou a se mexer, logo já estava de pé sobre duas patas e saltando em minha direção, meu pai ainda recarregava sua arma apressadamente desesperado, e eu era erguido pela criatura que me segurava com suas garras e me atacando o ombro com uma mordida violenta agonizante, a única reação diante da situação que eu me encontrava naquele momento de desespero era gritar com todo o ar de meus pulmões agonizando enquanto eu sentia os dentes daquela criatura cravando em meu ombro.
   Parecia que aquele era o meu fim, a dor era muito forte , só me restava agonizar e aceitar a morte enquanto aquela criatura me devorava , foi então que Kaibow surgiu por trás dela cravando seus dentes exatamente no pescoço vulnerável da criatura, ficando presa ali mesmo, a criatura soltou um rugido horrendo e estridente de dor, me largando no chão quase morto e se contorcendo para tirar keibow de suas costas.
   Eu já estava cansado e exausto demais, fraco e abatido não conseguia forças para fugir dali, sentindo a morte se aproximando de mim, a sensação que dá na pele quando sente o frio gélido da morte, a sensibilidade em perceber as coisas em sua volta, os olhos conseguiam acompanhar uma cena de milésimos em segundos, o tempo parecia correr mais devagar, e a morte se aproximava cada vez mais, eu só pude olhar para a lua cheia radiante alta no céu, vislumbrando sua beleza, enquanto ao mesmo tempo a criatura conseguia arrancar Keibow de suas costas segurando-o pela cabeça e abrindo sua mandíbula ao extremo rasgando-o pobre coitado ao meio e largando seu corpo próximo a mim, foi um horror ver a cena do meu único e fiel amigo morrer brutalmente daquela forma, pobre coitado que havia se sacrificado para me salvar, as imagens continuam bem vivas em minha mente até hoje.
   Meu pai que já havia recarregado a arma, agora avançava contra a criatura para tentar me ajudar, mas antes que ele pudesse chegar mais perto, a criatura saltou em um impulso vindo cair sobre meu pai que disparou o tiro acidentalmente para o ar, o tiro não seria o bastante para salva-lo agora pois a criatura já estava caída sobre ele devorando ferozmente e faminta, deliciando-se da carne de meu pai que não podia mais reagir, não podia mais se salvar.
   Eu ainda ferido, apreciava com jubilo a linda e radiante lua cheia, a morte demorava a me encontrar, o tempo passava lentamente e dentro do meu corpo eu sentia uma reação diferente de tudo que já sentira antes, talvez fosse essa a sensação que sentimos quando estamos morrendo, mas eu estava enganado, eu senti meus batimentos cardíacos acelerarem muito rapidamente, senti o sangue ferver em minhas veias, minha pele ganhava uma pelugem branca exótica e meus ossos estalavam sofrendo uma mutação dolorosa, quase insuportável, meu corpo começava a ganhar volume apressadamente, logo eu já estava tão grande quando aquela criatura que devorava meu pai, em fim. Eu havia me transformado em um lobo, o que era estranho, pois sempre achei que quem fosse mordido por uma fera dessas se tornava uma fera como ela, um lobisomens, meio humano meio lobo, mas com o instinto assassino carniceiro devastador, além de ser irracional.
   Eu notei logo que era diferente, eu havia ganhado mais tamanho e mais força, e a forma completa de um lobo com pelugem branca, dentes afiadíssimos como facas, e um leve instinto trucido que eu podia controlar, eu podia racionar, pensar, refletir e ter consciência de meus atos. Eu não era como aquela criatura bestial que devorava meu pai sem a concepção do que estava fazendo, vendo aquela cena horrenda eu rosnei furiosamente um som que jamais ouvira antes, tão estridente que e apavorante que deixou aquela criatura alerta de minha presença, ela se virou para trás e se deparou comigo, logo já estava encolhido ali no chão, soltando aqueles gemidos melancólicos de choro como um cachorro amedrontado.
   Mas o meu rugido estridente e furioso ecoou mais alto, e não tive o mínimo remorso quando ataquei aquela criatura com toda a minha exaltação, pus minha pata sobre sua cabeça imobilizando sua mandíbula para ela não me morder, enquanto com a outra eu pousava sobe seu peito e abocanhava com ódio a sua perna, enquanto abocanhava ele agonizava até a morte, então sem dificuldades eu consegui facilmente arrancar-lhe a perna desmembrando-a do seu corpo, triturei-a com apenas três mordidas dentro de minha boca antes de engolir.
   A essa altura seu corpo já estava sem vida, sua morte estava trazendo sua verdadeira forma, a forma humana, e aos poucos ele perdia sua forma monstruosa, logo ela já tomava a forma totalmente humana, e pude notar através de seu corpo nu que aquela monstruosidade que havia me atacado e tirado a vida de meu pai e de keibow, se tratava de uma mulher, mesmo toda encharcada com aquele sangue eu pude notar o quanto ela era jovem e bonita, então eu tirei minha pata de sua cabeça e pude ver o seu rosto.
   Maldita seja a ironia do destino, a surpresa funesta que tive quando tirei minha pata e vi o seu rosto, vi que aquela jovem moça que eu havia acabado de tirar a vida era a minha própria mãe, fiquei horrorizado e indescritivelmente abalado.
   Desde então não fui mais o mesmo, fugi para as montanhas e vivi em cavernas, alimentando-me de outros animais, sempre com as lembranças atormentadoras do massacre da minha família, a minha vida estava amaldiçoada, uma maldição que eu levaria até o ultimo dia de minha vida, maldita seja a ironia do destino.

Nenhum comentário:

Postar um comentário