2 de janeiro de 2013

(parte3) - O cavaleiro Negro decide fugir do inferno


O cavaleiro Negro decide fugir do inferno

   Em um dos abismos sem fim do inferno, com horizontes avermelhados, fora dos muros que cercavam o castelo do ser maligno, montado em seu cavalo negro, contemplando a paisagem e o clima pesado do local. A sua volta, almas vivas sendo torturadas e jogadas no abismo, alguns pediam sua ajuda, os gritos e lamentos dos condenados ecoavam em sua cabeça, ele apenas observava os pobres infames pagando seus pecados no inferno.
   Sua cabeça estava em outro lugar, algo forte o dominava, ele fecha os olhos, relembra mais uma vez a cena da voz da filha de seu mestre entrando em sua cabeça:
    “Oque você fez?” ele lembra o rosto dela, pálido meio cinza, límpido, olhos branquíssimos com um pequeno pontinho preto cercado por uma mancha negra (maquiagem talvez) que lhe dava um toque vaidoso, era uma jovem sedutora com um belo vestido sombrio e cabelos negros.
   “Ele quer ser livre, Não o mande pro inferno”  foram as palavras seguintes.
   Seus pensamentos agora se voltavam para si próprio, da ultima missão que havia cumprido, era simplesmente a de capturar Cérbero o cãozinho de estimação do ser a que ele servia. Pela primeira vez em sua existência sentiu um leve remorso, sentiu pena em ter levado a pobre criatura de volta ao inferno. “o que está acontecendo comigo?“ pensou consigo mesmo, -“esse não sou eu, eu não tenho sentimentos, não pode ser”.
   Seu cavalo lançava chamas pelos olhos e ventas como que alertando seu montador de perigo próximo, ele olha para o lado e nota há menos de cem metros, Cérbero que ele havia mandado para esse inferno, estava inquieto, agitado sendo chicoteado por demônios que tentavam dominar a fúria da criatura de três cabeças.
   Os demônios que tentavam domina-lo eram apenas simples bestas operárias, tinham a forma humana, mas com algumas diferenças, todos iguais com chifres pontudos e rabo com uma forma triangular na ponta, eram a forma semelhante do seu criador, estavam punindo Cérbero, com aquelas chicoteadas bárbaras.
   “Eu sou como ele” pensava consigo, imaginava-se como um escravo do inferno, sabia que seus pensamentos eram limitados por que na sua criação, seu mestre havia tirado todos os seus pontos fracos, inclusive o livre arbítrio de pensar abertamente.
   ”Quem eu sou e o que estou fazendo aqui?” leva às mãos a cabeça e segura o capacete, tira-o na tentativa de aliviar a pressão que sofre enquanto pensava, agora estava em uma batalha mental contra os próprios limites da mente.
   Seu rosto expõe uma face humana normal, a pele cinza de um demônio, mas as características de um humano, sua boca com lábios cerrados, e uma barba curta misturada aos seus longos fios de cabelo negros. Seu olhar é o mesmo por trás da mascara, olhos vermelhos vivos e sorvidos no rosto.
   Agora nota-se melhor a robustez pesada em seu corpo, Não é atoa que ele é o demônio inferior mais querido do soberaníssimo ser maligno, era um homem praticamente comum, mas um corpo esbelto e forte, atlético com músculos rigorosos.
   Ele era quase que totalmente semelhante à criação de Deus, um humano quase perfeito, exceto pela cor acinzentada da pele e o rosto fechado congelado em uma expressão de indiferença, como que focado em um objetivo e centralizado nele, e era exatamente isso que lhe corria os pensamentos. Ele olha a mascara que lhe cobria o rosto, era uma mascara de metal com a forma de um demônio raivoso modelado nela, Joga-a no abismo.
   Como que por resultado, desta ação, algumas lembranças voltam a sua cabeça, como um raio, as imagens dele humano ainda mortal em seu fiel cavalo lutando contra um demônio semelhante aos que agora o rodeia.
   Deu certo, ele estava se libertando da prisão mental que seu mestre havia-o prendido, aos poucos ele restaurava pequenas lembranças de quando ainda era um simples mortal. Ele volta a por as mãos na cabeça, segurando , concentrando-se ao máximo, ”Quem sou eu” questionava-se o tempo todo, ainda estava sobre o poder da limitação dos pensamentos de seu mestre.
   Pela primeira vez ele abre a boca, e solta um grito,
   -Aaaaaahhhhhhhhhhhhhg!!! –
   Sua voz gutural pesada assusta os outros demônios que faziam suas tarefas rotineiras, Cérbero também se assusta e cessa com a inquietação, deixando-se ser dominado pelos demônios que o chicoteavam sem parar.
   -Eu tenho que fugir daqui - disse para seu cavalo, este entendendo a mensagem de seu montador, bate o casco da pata dianteira no chão com força, logo um portal se abre a sua frente, dele sai um vento frio junto com algumas folhas secas, seu cavalo pega distancia do portal, em seguida corre em disparada rumo a ele, atravessando-o, ressurgindo ao mesmo tempo em um vilarejo em frente a uma igreja  no meio da madrugada, as ruas desertas e calmas, todos os habitantes jaziam dormindo profundamente .
   Seu cavalo relincha alto, as chamas amarelas que saiam de suas ventas agora tinham uma cor cianótica, estava apreciando respirar um pouco de ar, sentir-se vivo. Logo ele nota a presença de alguém atrás dele, imediatamente ele saca sua espada de laminas negras afiadíssimas, e sem nem ao menos voltar se para o individuo, pousa a sua espada pesada sobre o ombro de um homem.
   -calma, calma, eu não venho fazer mal algum, -
   Volta-se para trás e vê que era Canny, Um demônio que tem a habilidade de transformar-se em um lobo dez vezes maior do que um lobo comum, este levanta os braços para demostrar que estava desarmado e sem chance de contrapor.
 -eu ouvi quando você falou que tinha que fugir de lá, então eu resolvi acompanha-lo.
   Canny vestia uma roupa esfarrapada, verdadeiros trapos de roupa, com um tecido maltratado e sujo, com uma coleira um pouco solta com espinhos metálicos internos, isso servia para impedi-lo que se transformasse em lobo.
   Longos cabelos loiros e olhos negros cintilantes, uma pequena barbicha em seu queixo denunciava o quanto era jovem, sua pele branca, mas um tanto avermelhada devido ao ambiente calorento onde esteve por toda a eternidade. Enquanto falava sua boca deixava expor seus caninos pontudos e alongados,
   O Cavaleiro Negro permanecia com a espada no ombro de canny apenas o observando e ouvindo-o.
   - espero que não se incomode por eu ter me aproveitado da carona, eu precisava fugir de lá também-.
    Ele faz uma pausa esperando uma palavra em resposta, mas o cavaleiro negro continua calado com a espada em punho pousada sobre seu ombro.
      - eu esqueci que você não fala muito –
      Ele ri esperando fazê-lo rir também, mas a frieza no rosto do cavaleiro continua inalterável,
   - bem, não sei quanto a você, mas eu vou embora daqui, pois quando Ele notar a nossa ausência vai mandar aqueles demônios caçadores para nos procurar e aí meu amigo estaremos encrencados-.
   Ele tenta caminhar, mas após dar o primeiro passo, o cavaleiro negro encosta a ponta de sua espada na garganta de Canny, este fica alarmado e temendo fazer mais um movimento que possa resultar na sua morte, resolve ficar ali mesmo.
 - Tudo bem então amigo, eu fico pra tomar café com você –.
  Ele fala em tom irônico, queria evitar a qualquer custo uma luta com o cavaleiro negro, pois ele sabia que mesmo com todo o seu poder em forma de lobo, não era desafio algum para ele,
   De repente o cavalo fica agitado batendo os cascos no chão, e soltando as labaredas de fogo pelas ventas e olhos.
   -O que deu nele? –
   Sem obter uma resposta, ele continua imóvel, pressentindo que algo extremamente ruim estava prestes a acontecer.
   Nessa mesma hora, uma curta abertura de um portal se abre a frente deles, dele sai um demônio com chifres contorcidos e quatro braços musculosos, mas antes que ele pudesse atravessar totalmente o portal o cavalo bate com os cascos de forma mais agressiva no chão, ativando o seu poder, fazendo o portal fechar-se, e cortando um dos braços da abominação que o atravessava.
   - é um Caçador, isso significa que ele já sabe que fugimos - disse Canny receando o que estava prestes a acontecer.
   Tendo consciência do que estava prestes a enfrentar, o cavaleiro negro se desmonta de seu cavalo e investe com a espada contra ele, tenta desferir um golpe com a espada, mas o caçador se defende com um dos braços que ainda lhe restava segurando o braço do cavaleiro, com outro braço ele desfere socos em seu rosto deixando-o cair no chão desnorteado, sua espada cai um pouco distante.
   Logo ele é pisoteado pelo caçador que grunhia raivosamente.
- Ele quer você de volta no inferno-  a voz era misturada a um grunhido aterrorizante.
   O cavaleiro negro mantem a postura fria e fechada diante das palavras de seu oponente, vê-se em uma situação difícil e apela pela ajuda de sua montaria, Que avança contra o caçador e o afasta do cavaleiro deixando-o livre para voltar ao combate.
   Canny apenas observava atentamente quando avistou a espada do cavaleiro jogada aos seus pés, sabendo do poder daquelas laminas ele pega a espada e com cuidado passa as laminas sobre sua coleira, cortando-a facilmente, em seguida ele volta a observar a luta do cavaleiro e o demônio caçador, ambos estavam de frente um para o outro analisando qual movimento executar para tentar abater o oponente, novamente como de costume o cavalo morto vivo havia tomado o cuidado de manter uma distancia segura daquelas duas criaturas.
   O Caçador corre em direção ao cavaleiro, os dois se chocam violentamente, mas o cavaleiro em desvantagem, o caçador estava sobre segurado seus dois braços no chão, e com o braço sobrando, desferindo mais socos no cavaleiro, este usa toda a força que ainda restava para com as pernas, dar-lhe uma joelhada por trás, invertendo a posição de luta, agora o caçador estava no chão e o cavaleiro de pé ao seu lado, ele segura o demônio pelo chifre e o põe de pé, em seguida fecha o punho e desfere um soco em seu rosto arremessando-o na porta da igreja.    
   Logo ele consegue recuperar as energias e se põe de pé e salta em direção ao cavaleiro vindo cair atrás dele, o cavaleiro tenta acertar outro soco no caçador, mas ele se abaixa , agarrando a capa esvoaçante do cavaleiro e puxando ela, assim derrubando-o no chão.
   Novamente ao chão, o Cavaleiro em desvantagem é surpreendido pela ajuda de um enorme lobo de pelos brancos que avança contra o Caçador, mas ele consegue segura-lo e joga-lo ao chão, aproveitando esse pequeno descuido do Caçador, o Cavaleiro negro encolhe uma das penas, mira na articulação do joelho do demônio e chuta com a sola do seu pé aquela região, vindo a ouvir um estalo alto, ele acabara de quebrar a pena do seu oponente, agora o Caçador estava limitado naquela luta, grunhindo mais alto ainda, contorcendo de dor, enquanto o Cavaleiro negro se colocava de pé e apanhava sua espada.
   O lobo caído ao lado do Caçador retornava a forma humana de Canny, que recobra a consciência e vê o Cavaleiro negro aproximar-se do Caçador, em seguida deferindo mais um golpe com a espada, ele fecha os olhos para não ver a cena horrenda que se prosseguia, ouve o som de algo cair pesadamente no chão, ele abre os olhos e vê perto de si, a cabeça decepada do demônio caçador com a expressão de ódio e ao mesmo tempo horror em sua face.
   - Obrigado - diz o cavaleiro com sua voz estridente enquanto recolocava sua espada na bainha, em seguida erguendo o braço para ajudar Canny a se levantar.
   - Minha nossa! Você fala! – surpreso com o que ouviu, ele segura a mão do cavaleiro e põe-se de pé, em seguida limpa a poeira do seu corpo.
   -Melhor irmos andando, pois mais enviados Dele virão atrás de nós-.
Nessa hora o corcel aproximava deles, mordendo e beliscando a capa de seu montador, queria seguir jornada, continuar em frente.
   - se quiser aceitar a minha companhia é claro-
   O cavaleiro apenas o observa,
   -venha comigo se quiser-
   Ele monta no seu cavalo...
   - Ou se conseguir nos acompanhar - diz puxando as rédeas do cavalo saindo em disparada rumo ao oeste, Canny sorri satisfeito com a nova amizade, e se transforma em lobo, em sequencia, corre em disparada seguindo o Cavaleiro Negro, junto rumo ao oeste sem destino certo.
   Enquanto corria em sua montaria, o cavaleiro relembrava mais uma vez do rosto da sedutora filha daquele que o comandava antes,
   “foi ela que libertou os meus pensamentos” concluiu consigo mesmo, fora do inferno o seu aquele ser maligno não era tão poderoso, assim o cavaleiro negro poderia pensar livremente, mas com as lembranças ainda ocultas no fundo de sua mente, estava determinado a descobrir a sua própria origem, explorar o seu passado para quem sabe assim, poder descobrir como chegara a se tornar um escravo de Lúcifer.
   Ao norte ele avistava a montanha que aparecia em suas lembranças, era lá o primeiro lugar que deveria explorar para recordar o seu passado, estava consciente de que outras criaturas maléficas iriam aparecer em nome do ser que o escravizava, mas com a ajuda de Canny, seu corcel e sua espada ele estaria pronto para os próximos desafios.

                     

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